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sábado, 10 de maio de 2014

Invasão e saque em Boqueirão - 1987.



A pergunta é: por que cenas como estas abaixo não se repete mais, neste Brasil varonil?
De certo uma coisa: em épocas de secas, fenômeno que se repete sempre no Nordeste, não raro se verificava o ataque de uma massa faminta a pequenas cidades ou vilas do interior, com saques as feiras e ao comércio local. Isso ocorria quando cessavam completamente qualquer fonte de renda para o povo pobre da região e também quando os gêneros alimentícios reduziam-se a zero.  Diante da perspectiva de morrer de fome, o povo pacato se enfurecia e iam buscar alimento onde tinha.
Parte disso se devia a falta de políticas públicas por parte dos governos, nem que fosse assistencialista. Para ilustrar, a maior seca que houve por aqui, que lembro, foi entre 1981 e 1983 e naquele tempo a única presença do estado na assistência ao povo eram as “frentes de emergências”, que não atendia a todos, ficando o grosso da população a mercê do humor do “líder” da comunidade, um adepto daquela máxima “se a farinha é pouca, meu pirão primeiro”, que assim selecionava quem devia, ou não, participar do programa.
Fora a grande seca do início dos anos 80, ainda naquela década verificou-se alguns “veranicos” esporádicos, como em 1986/87 que castigou muito o cariri paraibano. Foi nesta época que se verificou a última invasão de populares vítimas das secas, com saques, a uma cidade por essas bandas: foi em Boqueirão, em meados de 1987, conforme matéria da Veja de 15 de Julho daquele ano.


DO LIVRO "TERRA TATAGUAÇÚ" - o livro de Quiel, no prelo.


1952
16 de Setembro – O vereador campinense Manoel Figueiredo, usando a tribuna da Câmara de Vereadores, denunciou a paralização das obras da estrada Queimadas-Boqueirão por motivo de falta de pagamento aos trabalhadores. O citado vereador aludiu ainda que os operários famintos e em desespero chegaram a ameaçar de invasão o Distrito de Queimadas[1].
A empresa que estava construindo a estrada Queimadas – Boqueirão, devido ao atraso de verbas por parte do DNOCS, paralisou as obras e pagou com vales os dias de serviço dos trabalhadores, esperando que o comércio os trocasse por mantimentos, outros produtos ou dívidas. Quem recebeu em dinheiro sofreu um desconto de 10%, informaram os representantes da construtora, que o “confisco” era para cobrir as despesas com empréstimos feitos a particulares.
Os operários famintos e em desespero chegaram a ameaçar de invasão o distrito de Queimadas... (DO Ó, 1999 p.169).
Ainda sobre o episódio, cabe aqui uma explicação de Albuquerque do Ó: aquela estrada estava sendo feita em caráter de emergência para dar aos habitantes da região condições de algum ganho uma vez que a seca tinha lhes tirado os meios de subsistência com a perda de suas lavouras (DO Ó, 1999/p.170)[2].
Nota 1: o certo é que o temor do vereador parece que não se concretizou, muito embora o ato de invasão a povoados, por flagelados e famintos das secas, não fossem raros, como se verifico em Pocinhos  (também distrito de Campina), que nesse mesmo período citado foi invadida e teve sua feira saqueada.
Conforme disse Alcides de Albuquerque do Ó, Queimadas ficou a perigo, porque os trabalhadores da estrada, famintos e desesperados por não receberem seus salários, concentrarem-se na Vila, mas sem maiores consequências, apenas deixando os moradores temerosos.
Nota 2: Diferente dos dias de hoje, quando existe uma maior presença do Estado, aquela época a pressão da sede e da fome eram bem mais fortes, e sem ter mais para quem apelar, só restava ao povo ir as “vias de fato”, neste caso, invadir os povoados mais promissores. Essa ação tinha dois efeitos: 1º saciar a fome de imediato; 2º tentar sensibilizar as autoridades.


[1] V. Albuquerque do Ó, p. 169. Neste livro o autor cita que aquela estrada, construída para melhorar o acesso ao canteiro de obras do açude de Boqueirão, foi feita em caráter de emergência, para dá aos moradores da região condição de algum ganho, por motivo da seca.
[2] A seca de 1952 foi uma daquelas secas cíclicas que não atinge só os sertões, ou seja, outras regiões como agreste e brejo também sofrem seus efeitos. Podemos compará-la com duas outras grandes estiagens que castigou Queimadas: 1982 e 2012.

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